sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Irati - Pequenas histórias VI




Escola Francisco Vieira de Araujo
  

A fachada baixa, as inscrições com o nome da escola, o muro ondulado, os pinheirinhos no contorno do muro, esta foi a primeira visão que ficou gravada na minha memória, da escola Francisco Vieira de Araújo, e a mão que me levou sabia que eu reagiria com estranheza àquele mundo, por isso postou-se na porta da sala de aula até que eu me acostumasse aquela condição de prisioneiro a princípio involuntário do saber.
Na verdade a inserção de qualquer criança numa comunidade que não a sua é por assim dizer traumática senão assistida pelos pais nos primeiros dias, mas é uma fase passageira, e assim foi comigo, até que, inserido, pudesse rodear-me de amizades, carinho dos professores e até sentisse nas férias, uma imensa saudade daquele mundo tão inocente, mas de uma capacidade de formação de caráter inigualável.
O caminho percorrido, entre a escola e minha casa distava não mais que 1 kilometro, mas eu a via a qualquer hora em que meu olhar fosse direcionado para ela.
No contraste entre o azul ao longe e o verde escuro da mata emoldurava-se ela, não com majestade arquitetônica, mas dentro de mim com uma realeza venerável, eu silenciava ao vê-la e tal como pensei um dia quando criança, o carinho e gratidão jamais ficaram pelos caminhos.
E é com profundo respeito que relembro este todo, pois falar da escola é falar um pouco de todos os bairros que cercam a escola e principalmente do Alto da Glória, de seus meninos, de seu povo trabalhador, de suas alegrias e angustias, da formação da personalidade humilde e fraterna dos iratienses.
A escola Francisco Vieira de Araújo, era ainda uma criança nos finais da década de 60 início da de 70, do século passado, quando eu comecei a viver partes dos meus dias nela, e nestes 50 anos de história da querida escola a imagem que fica, é de reconhecimento e mesmo sem estar diante dela posso imaginar este alicerce como o da terra que alimenta a araucária até que ela se mostre frondosa e magnificamente forte o bastante para enfrentar as tempestades e com júbilo depois, possa cuidar de milhares de pássaros que se reproduzirão sobre sua existência, e para o homem reserve como ensinamento a humildade de que nas suas raízes e o que nela se fortaleceu é um bem inalienável que jamais deve ser esquecido, e repartido com seus semelhantes como fez o Senhor dos tempos.
Refaço mentalmente o caminho, o cascalho da Rua Duque de Caxias, André Filipack, antiga estratégica, até os portões da escola, pinto um quadro que não existe mais, e são utopias hoje, de uma realidade que eu vivi, os pés de cáqui no terreno baldio, o olho d‘água, a algazarra das crianças, a professora Aparecida, a professora Eva, a diretora Dirlene Marquardt,  eu achava este nome e a figura dela de uma elegância imponente, detalhes que o tempo não apaga que tem gosto de pirulito, de sopa no recreio, de saudade da madrinha Vina, do mais delicioso pastel que eu já provei, um presente da minha primeira professora, Aparecida, dos dias comemorativos, dos desfiles, da poesia recitada na escadaria, das figuras congeladas no tempo, é saudosismo sim, mas também é a vontade de expressar em letras um pouco do que representa esta escola na alma grata de um humilde cidadão e por certo de cada um que por ela passou e que tem a missão histórica, neste qüinquagésimo aniversário, de legar para o futuro o que foi para cada um e o que é para Irati esta nossa querida catedral do saber.

Malgaxe
      

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Irati - Pequenas histórias V



Procuro folhear a memória, e posicionar o sol numa daquelas manhãs dos anos 70, não atino a dificuldade, pois o brilho de então refletia no tapete verde do batatal gigante beirando a face leste do Alto da Glória, furtivamente eu pego uma folhinha de papel do bolso e rabisco a rampa gigante que ia da estratégica até os capões lá no alto, colados no laranjal e de ponto em ponto rabiscado vou construindo no papel a imagem que eu tenho na memória e o sol, e eu penso que ele também sentiu falta do velho pé de ipê roxo, da gente humilde colhendo as batatas, como uma legião de guerreiros surgidos na fumaça densa das tardes da antiga Irati, sob o olhar terno da mãe das Graças, quanto tudo deixou o branco e preto do antigo para compor a aquarela moderna que vem até nossos dias.
O que eu tinha apenas em pequenos resquícios no olhar quando criança agora surge a minha frente da tela do computador em uma fotografia antiga, a serraria Menemar, fazendo com que eu desenhe embaixo do meu rabisco um portal com improvisados traços ao qual eu chamei “a nossa Canudos”, pois verão a foto de Canudos e do bairro Menemar e apesar da semelhança ficar no aglomerado humano, o ar nostálgico remete qualquer um ao alvorecer da pérola do sul, e sem um que e nem porque vem uma saudade do que não conhecemos, quem o habitou e como foi extinto, ficando raros registros como este a povoar nossa imaginação.
O olhar pensativo nos faz viajar, e imaginamos um projetor de filmes, seguro pelas mãos históricas de João Wasilewski, vislumbramos o cadenciado exibir de slides esparramando a história em nossas saudades, o resgatável em matéria e o que o fatalismo da não existência atual relega a velhas fotos, e um olhar para a imagem no morro, nos consola de certa forma, ele sim viu o que nos faz sentir saudade, do que o progresso nos proibiu de ver.
Surpreendem-me o coração, o asfalto, as ruas calçadas não com o esmero antigo, mas um amontoado de pedras irregulares que apenas sepultam o chão, as valetas das tardes chuvosas, o passado, onde a pobreza seria motivo de dor, e o amor o pano azul que encobriu as mágoas, superando as dificuldades surgidas, e se os corações não se igualaram naqueles anos, o tempo os fez iguais, pois tudo a todos vem, e o caminho de todos é a eternidade igualitária e certa.
O que é a vida senão o que vivemos e o que recordamos.... Uma tarde de domingo subindo em turma até o laranjal, a farra da criançada que descia com os lábios ardendo de tanto chupar laranja, grátis e ao pé da planta, as noites de bate papo nas gramas dos jardins, as histórias de Pedro Malasartes, o rádio de pilha, o perfume da flor de laranjeira, a liberdade de voar em carrinho de madeira e não muito raro se espatifar no barranco de algum terreno baldio lá embaixo.
No plano em que vivíamos o nosso dia a dia, estava lá do outro lado a Santa do Morro, a esquerda, a direção do centro da cidade, ainda provinciana, a frente embaixo, algumas evidencias mais antigas, a fumaça das serrarias, atrás encima o verde das matas virgens e as assustadoras árvores gigantes dos capões escuros, e a direita o batatal, com seu imponente Ipê roxo na metade baixa... E ao fundo dele lá nos azuis distantes o inesquecível sol, o sol de meus rabiscos, antigo e belo, como um velho amor.

Edilson Souza