quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Irati - Pequenas histórias II


É natural que passando grande parte da minha vida no Bairro Alto da Glória as lembranças deste me sejam mais nítidas, me coloco agora num barranco imaginário, no alto do bairro e vejo num dia de chuva as brincadeiras nas enxurradas que enchiam as valetas onde perigosamente brincávamos, na barrenta água vinda do alto, os raros carros que tentavam subir deslizando incontinente para os lados. Ainda ali olho para traz e lembro dos matos onde caçávamos e brincávamos de esconder, ao pé de uma grande árvore que vi durante toda a infância e que a exemplo do velho ipê, foi ceifado pra dar lugar a residências, mas este lugar guarda na memória de muitos, o campinho de futebol que fazia a festa da garotada nas manhãs de domingo.
O olhar rodeia e vê logo acima o bar que foi de meu tio José Petchak, e de outros, mas nunca foi ponto mais apreciado que o bar do Stein logo abaixo e do Aleixo mais a direta deste.
Quantas vezes a caminho da escola, parávamos no Olhinho, uma bica d‘água, no começo da estratégica, que nada mais era que um prolongamento da Rua Benjamim Constant, a água era límpida e potável, hoje já não existe mais.
Olhando a poucos metros a casa de Seo Raul era a que mais se destacava, porque fora construída comprida, diferente do padrão da época, e logo ao lado a nossa casa, pequena, humilde, sempre caiada aos finais de ano, um longo terreno que tinha a frente ampla e do mesmo tamanho na parte de trás, com macieira, laranjeiras e pereiras, no quintal quase sempre era plantado milho, em cujas sombras brincávamos. As noites eram iluminadas por lampiões de querosene comprado no posto do Mosele, onde meu pai trabalhava.
Vislumbro em minhas memórias o ar pesado de Agosto, com a fumaça das empresas madeireiras e o calor insuportável que adentrava nas noites, noites que não passavam das 10 horas, pois diziam ser altas horas, horas mortas e que lobisomens e bois-tata apareciam para quem não estivesse protegido pelas paredes de sua casa.
Ao longe com o olhar que pressentia a saudade futura, eu olhei muitas vezes a veneziana fixa, dos barracões que beiravam a via férrea, a Casa Brasil, a Maria fumaça, soltando fumaça aqui e acolá, na velha RFFSA, e uma linda casa na entrada do bairro Canisianas, pela rua das Industrias Santos Aleixo,ISAL.
Fora da minha vista, me imaginando naqueles tempos, o bar do Ambrósio, parada obrigatória de quem desembarcava na estação, e de velhos boêmios, como o Candinho Coruja, como Angelo de Souza, meu pai, beberrão inveterado e de seu irmão Carcaça, que parou de beber e morreu aos 65 anos, enquanto seu irmão foi embora aos 44 anos, saudosa memória, meu pai.
O hotel pequenino e antigo em frente a estação, eu ainda tive, não sei se prazer, ou desprazer de vê-lo em ruínas, e tal qual o Hotel da Senhorinha, desapareceram para dar lugar ao progresso.
O progresso ceifa a história material das coisas, mas nunca ceifará a memória que o coração guardará para a eternidade.
Um fato que me marcou a infância foi uma figura de anjo em forma de professora, Professora Aparecida.
Sempre fui tímido, e me vendo assim, no recreio da escola, ela me deu um pastel, sabia ela que éramos humildes e jamais eu poderia comer um pastel na escola, então o mimo, mas o que ela não sabia, é que este ato, marcou toda a minha vida, como exemplo de ternura e respeito aos mais humildes.
Aliás, este ato e a vida de Dona Júlia minha mãe nortearam minha existência, pelo exemplo de solidariedade, de ferrenha resistência aos ditames dos que querem se sobrepor pelo poder, e o mais importante, ter a coragem de estender à mão para quem tem esta como a unica esperança de se reerguer.
Não poderia, deixar de citar os natais no jardim da tia Élia, a árvore iluminada, a reunião de todos os parentes, as fotos, hoje amareladas, mas que contam sobre um tempo que trás saudade. O cheiro inconfundível da flor de laranjeira, na casa da vó Angélica nas noites de visita, o radio, os pelegos, um vermelho e outro branco que estendíamos na grama em frente a sua velha casa.
Para finalizar este capitulo, meu olhar e meu coração pousam sobre a imagem de Nossa Senhora das Graças, no morro da santa, como é chamado, as suas eternas bênçãos minha santa, que viu minha infância passar.

Edilson Souza

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